Qualquer interrogação que alguém tenha sobre sua própria carreira (ex.: angústias sobre o que fazer em relação a ela, a algum cargo que ocupa, a decisões importantes que precisa tomar, a uma insatisfação com a ocupação atual, a uma incapacidade de tomar uma ação, etc.) passa sempre pela questão do seu desejo inconsciente[1][2][3] – não somente pela vontade consciente mais aparente – “quero fazer algo de que goste”, “quero crescer”, “quero ser reconhecido por isso ou por aquilo outro”, etc.
Qualquer interrogação sobre a própria carreira passa por uma questão mais profunda ligada a “O que o Outro quer de mim?”, que se traduz em “O que sou para o Outro?”.
“Outro” entendido não como alguém específico, mas aquilo que, simbolicamente, representa um “não eu” (alteridade). Outro que são as pessoas, genericamente falando, mas em particular aquelas que nos são significativas na vida (pai, mãe, professor, chefe, quem escolhemos para amar, etc.), que representam/ encarnam a cultura na qual nascemos, a língua que falamos, a Lei, as proibições que nos restringem, os discursos que circulam na sociedade, o que é valorizado ou desvalorizado moralmente, etc. Outro que é o que já existia antes de nós (ainda que contribuamos, em alguma medida, para construí-lo, a partir do momento que nos fazemos sujeitos no mundo) e que nos marca de formas tão profundas que, enganosamente, às vezes acreditamos que é apenas o que temos de muito singular nosso.
Lacan[4] teorizou que o desejo surge da falta, do que, na relação com o Outro, é sentido como impossível ou proibido. Acontece que, para muitos, não é fácil bancar o desejo porque isso envolve angústia – algo na relação com o Outro é sentido como perigo (Jorge Forbes, de maneira provocativa, escreveu um livro sobre o tema – “Você quer o que deseja?”[5]). Daí surgem inibições, sintomas e mesmo angústia no seu estado puro.
O “quero fazer o que gosto”, o almejar subir na carreira, o seguir a profissão do pai, o escolher um trabalho que é o oposto do que a mãe queria, a dúvida sobre se “devo dedicar-me a uma pós graduação”, se “devo trocar de emprego”, ou se “aceito assumir o cargo de gestão que me ofereceram” indicam sempre algo daquilo que nos escapa conscientemente.
São escolhas profissionais que refletem algo da fantasia que cada um criou na sua relação com o pai, com a mãe, com os irmãos, com os colegas, com o lugar de privilégio (fálico) que imagina ter ocupado ou não para eles.
Refletem algo da cultura do capitalismo contemporâneo, do discurso organizacional que vai sendo repetido sem que se reflita muito sobre ele; do que é valorizado ou não nas relações sociais, propagadas exponencialmente nas mídias digitais; em suma, algo da relação com esse Outro que nos impulsiona ou nos freia, que nos traz satisfação pelo prazer ou pelo sofrimento que nos causa, sem sabermos direito porque de uma coisa ou de outra.
Não que respostas absolutas ou definitivas serão encontradas, mas poderá haver uma apropriação daquilo que se deseja (bancar isso), no que desse desejo se puder ter alguma compreensão; poderá haver um saber fazer (“savoir faire”) com o que se tem de sintoma e/ou de inibição em função do que se deseja, mesmo sem promessa de um júbilo “instagramável” ou “linkedineável” (júbilo que esse Grande Outro dos nossos tempos tanto nos estimula a narcisicamente desejar...).
REFERÊNCIAS:
[1] COSTA, Juvaneide Régia; DE MEDEIROS, Cynthia Pereira; RIBEIRO, Cynara Teixeira. Escolha profissional na adolescência: um estudo psicanalítico. Revista Subjetividades, v. 17, n. 3, p. 104-116, 2017. https://www.redalyc.org/pdf/5275/527555046004.pdf
[2] YAMAGUISHI, Roger Augusto Ikemori. O terceiro passo na escolha de uma profissão. Dissertação de Mestrado (Psicologia). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-05082015-115554/en.php
[3] SOARES, Dulce Helena Penna; AGUIAR, Fernando; DA FONTOURA GUIMARÃES, Beatriz. O conceito de identificação no processo de escolha profissional. Aletheia, n. 32, p. 134-146, 2010. https://www.redalyc.org/pdf/1150/115020838011.pdf
[4] LACAN, Jacques. O Seminário, livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
[5] FORBES, Jorge. Você quer o que deseja? 12ª. ed. São Paulo: Manole, 2016.
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