Quem nunca pensou em se livrar, em pouco tempo, de alguma inibição ou de algum sintoma psíquico ou comportamental que nos faz sofrer? Quem não gostaria de perder o medo de falar em público, de voar de avião, de assumir um cargo de liderança? Quem não gostaria de aprender a dizer “não”? Quem não gostaria de deixar de se envolver só com pessoas que não o(a) querem? Quem não gostaria de ser capaz de deixar um emprego que detesta, de ter a coragem de buscar outro relacionamento porque o seu é abusivo ou porque já perdeu o sentido?
Quem não gostaria de perder a vontade compulsiva de comer, de comprar?
Surgem e proliferam terapias e outras práticas (coaching, por exemplo) que prometem eliminar sintomas ou inibições, retificar ou redirecionar os indivíduos para o caminho supostamente desejado, tudo isso num curto período de tempo, coisa de algumas sessões. E, de fato, podem até ser eficazes, em vários casos, se consideramos o objetivo mais aparente e imediato. Contudo, tendem a deixar escapar o sentido que qualquer inibição ou sintoma tem para os sujeitos. Com isso, um novo sintoma ou uma nova inibição costuma aparecer, em algum momento, e os indivíduos continuam precisando da ajuda de um terapeuta ou de um coach para eliminá-lo(a).
A grande questão é que qualquer inibição ou sintoma nos representa como sujeitos, leva a marca da nossa singularidade.
Freud dizia que este último é uma solução de compromisso, um substituto que adotamos para nos defender de um perigo real que nos angustiou no passado. Também dizia que a inibição é um bloqueio de uma função qualquer (sexual, motora, etc.) que visa a nos afastar da angústia. Mas que perigo seria esse, que angústia seria essa? Freud chamou-a de angústia de “castração”. Jacques Lacan, por sua vez, amplia o seu sentido (reação diante da ameaça de perder uma parte do corpo) e a vê como sinal real de ameaça ao sujeito diante da Lei, do limite, da impossibilidade na relação com o Outro.
Em outras palavras, nós nos interrogamos, desde a nossa tenra infância, sobre o que somos para os outros, em particular para os que nos são caros (pais, namorados(as), esposos(as), chefes, etc.), ou seja, sobre que valor temos para eles(as), se somos tão especiais a ponto de representarmos tudo aquilo que desejam.
Contudo, diante da proibição de que o sejamos (ex.: não podemos ser tudo para a mamãe porque, afinal de contas, o homem dela é o papai), diante da impossibilidade de que o sejamos (os outros têm sempre algum interesse que não tem nada a ver conosco), recuamos (vivenciamos uma inibição) ou nos desviamos (apresentamos um sintoma). É como se a inibição ou o sintoma nos mantivessem em certa satisfação (em certo gozo) na relação com os outros, mesmo que tal satisfação seja mais sofrida do que propriamente prazerosa. É como se, com eles, preservássemos a fantasia de sermos esses seres tão especiais, a fantasia de que seria possível que o Outro existisse apenas para o nosso deleite, apenas para que nos sentíssemos finalmente completos, plenos porque preencheríamos o que faltava a ele.
Assim, quando surge aquele que parece ser o grande amor da vida, o cargo que tanto queríamos, a oportunidade de que todos nos vejam e sejamos o centro das atenções na apresentação anual da empresa, sentimos uma angústia imensa. Ou quando há uma ameaça de nos sentirmos limitados, tolhidos, fracassados, desamparados (“castrados”), tentamos fugir da sensação – por exemplo, comendo, fumando, comprando, bebendo compulsivamente; tendo uma diarreia ou uma enxaqueca; agarrando-nos ao relacionamento ou ao emprego ruim que temos; dizendo “sim” nas situações em que, aparentemente, gostaríamos de dizer “não” e assim por diante.
A questão é que uma inibição ou um sintoma tentam solucionar um dilema (afastam-nos da angústia de nos vermos simbolicamente "castrados"), mas criam outros problemas, a ponto de, com o passar do tempo, a vida tornar-se insuportável com eles. É quando buscamos ajuda, supostamente querendo nos livrar deles de uma vez por todas.
No entanto, a simples eliminação ou atenuação de uma inibição ou de um sintoma não vai resolver o que, de fato, está em jogo para nós. Isso porque, inconscientemente, os escolhemos como nossa solução subjetiva para a (dura) resposta (sobre a qual não queremos saber) para a pergunta dirigida ao Outro: “O que você quer de mim?”, ou, em outras palavras: “O que sou para você?”...
É preciso que nos apropriemos disso, que nos deparemos com a fantasia, na relação com os outros, que construímos ao longo da vida (de que seria possível driblarmos o limite, de que poderíamos ser tudo para o Outro, ter uma satisfação absolutamente plena). Só então poderemos viver melhor, ultrapassando essa fantasia (encarando a “castração” nessa relação - o que pode significar livrar-nos dos sintomas e das inibições, mas também pode significar lidar com eles com menos sofrimento, sabendo que são o resquício de nosso desejo de sermos tudo para o Outro, resquício de nosso “gozo”).
Isso não se obtém, em geral, num piscar de olhos, ou em meia dúzia de sessões de análise, ainda que não precise, necessariamente, levar anos a fio. O tempo que leva depende de pessoa para pessoa, depende do quanto cada uma resiste à sua própria verdade, que vai, aos poucos, aparecendo. Mas quando esse tempo chega - o momento de concluir a análise - certamente é transformador e costuma ser para toda a existência.
REFERÊNCIAS:
FREUD, Sigmund. Inibição, sintoma e angústia. In: Obras Completas, volume 17: Inibição, sintoma e angústia, O futuro de uma ilusão e outros textos (1926 ‑1929). Tradução Paulo César de Souza. 1a ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 23: O sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.
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