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Talvez um dos grandes desafios da vida de todos nós seja o de acompanhar, subjetiva e afetivamente, a idade cronológica que temos, ou seja, o desafio de amadurecer: verificar e ajustar a discrepância da idade cronológica x a emocional.
O bebê vem ao mundo e, se tudo corre bem, se ele é atendido em suas necessidades fundamentais, ele pode existir sem pressa de amadurecer. Relaxa quando satisfeito, reclama quando não (quando tensionado por algo interno ou externo) e, se atendido de novo, volta a relaxar.
Aos poucos integra a psique ao corpo (entende que aquele é o corpo que habita), localiza-se no espaço e no tempo (começa a perceber o que houve antes como antecipação do que virá – por exemplo, o leite e o acalento materno). Vai se dando conta de que ele é um, o outro (o mundo) é outro; vai percebendo que o que faz tem consequências para esse outro (se morde a mamãe, ela reclama). Vai notando que há ainda outros “outros” no mundo – papai (ou outra mamãe), irmãos, avós, mais tarde, amiguinhos da vizinhança ou da escola.
Vai sentindo que compete pelo amor, pela atenção, pelo cuidado com esses outros. Vai experimentando, progressivamente, que nem sempre será atendido(a) – e nessas horas, às vezes, tenta voltar (regredir) a quando era um bebê de colo, chora, se joga no chão, todo desconsolado(a) – e com razão! Nessas horas às vezes escuta:
“Você já é um homenzinho/ uma mocinha! Não pode chorar desse jeito!”.
E o que fazer para apaziguar aquele sentimento de frustração, de perda, de dor pelo que tinha e não tem mais? O que fazer se o que ele/ela sabia fazer era chorar e esperar para ser atendido(a), se já não parece funcionar mais? Para expressar algo que não está bem em si, nem chorar mais pode!
A criança vai envelhecendo e sendo empurrada a amadurecer, a encontrar novos recursos internos (e externos) para lidar com o que a vida e o convívio com os outros vai colocando para ela. Mas nem sempre está pronta e às vezes precisa se deter um pouco mais nos estágios anteriores. Mas talvez tragédia maior ainda é quando é obrigada a amadurecer muito rapidamente porque o meio é hostil, a invade, ou é tão ausente que a deixa completamente desamparada. Quando o bebê, por exemplo, pouco amor, pouco toque, pouco aconchego recebe. Ou quando recebe violência física, verbal, psicológica, ou ainda quando recebe atenção ou presença do outro em demasia, a ponto de não poder relaxar, sentindo-se sufocado, invadido. Nestes casos a criança tem de desenvolver uma mente, uma racionalidade excessiva para a idade que tem para dar conta dessas falhas do cuidado.
Por isso, aliás, nem sempre crianças muito precoces no aprendizado são sinal de que tudo corre bem no seu desenvolvimento.
Na adolescência, a questão da idade cronológica volta a ser um problema, muitas vezes – já não se é uma criança, mas tampouco se é um adulto. Justamente numa época de decisões e de mudanças tão importantes na vida – escolha da profissão a ser seguida; corpo que entra em erupção com seus hormônios pulsando uma sexualidade que urge em ser satisfeita; comparação com amigos que podem estar à frente ou atrás de si nesses processos; vontade de conquistar autonomia dos pais, mas desejo intrínseco de poder voltar ao colo e pedir ajuda se estiver em apuros, nas aventuras pelo mundo.
O que fazer se ainda não se despertou para beijos e sexo quando os amigos todos parecem estar nessa onda há tempos? O que fazer para obter o primeiro beijo, a primeira transa – para se sentir desejado(a) - quando se sente feio(a) no corpo que habita e que muda sem parar?
Quando se chega à fase adulta, se tudo correu bem (o que parece ser raro!), pode-se começar a desfrutar de conquistas que vão sendo realizadas – a do trabalho, das primeiras aquisições materiais, das viagens pagas com o próprio dinheiro. Não raras vezes, pensa-se em casamento e em ter filhos, em algum momento. Se eles, de fato, chegam, daí costuma-se sentir o peso de amadurecer mais uma vez – agora há mais uma vida que depende de nós. E, com o passar dos anos, depois poderão vir os netos e as dúvidas sobre a aposentadoria, sobre os planos de futuro que ainda se tem, diante de uma finitude da vida que se avizinha.
Voltam as questões do ser ou não ser ainda desejado(a). O corpo já não tem mais o vigor de antes; sentem-se dores aqui e acolá, lesões ou enfermidades em órgãos específicos aparecem mais frequentemente.
Mas o que fazer se a cabeça, se a vontade de realizar coisas é ainda a de quem tem dez ou mesmo vinte anos menos?!
O que fazer se a vontade é ainda a de andar de moto por aí ou de usar uma roupa mais ousada ou de paquerar como um(a) adolescente? O que fazer se o que se escuta é: “Você não tem mais idade para isso!...”?
Ainda pior é quando a vida nos traz tragédias que nos empurram para um amadurecimento muito antes de estarmos prontos (se é que se está realmente pronto para alguma tragédia, em qualquer momento da vida). Quando se tem a perda abrupta de uma pessoa muito amada, quando se descobre em si uma doença fatal, incurável, quer ela progrida rápida ou lentamente; quando se acidenta e se perde alguma função importante do corpo; quando se perde a casa, os bens que se tinha num evento extremo da natureza (enchente, furacão, terremoto, etc.).
E mesmo quando nenhuma tragédia nos acomete, raramente o nosso amadurecimento segue um fluxo retilíneo, fluido e progressivo. Há sempre tropeços nossos e dos outros, ao longo do caminho, que nos fazem avançar e regredir aqui e acolá, que nos paralisam, às vezes, em certos pontos cruciais de nossa existência. Por isso, tão sabiamente Donald Winnicott[i], célebre psicanalista e pediatra inglês, ensinou-nos a tentar identificar a verdadeira idade maturacional das pessoas com as quais convivemos, seja em casa, no trabalho, no condomínio em que moramos, no consultório psicanalítico que atendemos.
Podemos estar diante de um adolescente em conflito ardente com os pais (mesmo ele tendo 35 anos) ou de uma senhora deprimida, com vontade de morrer, inconformada com as sequelas mentais de um AVC que sofreu aos quase 80 anos, sentindo-se ainda com seus 50. Podemos estar diante de uma adolescente no auge dos seus 18 anos angustiada com a sensação de que sua vida já acabou e não tem mais saída (como se fosse uma idosa no fim de sua trajetória). Podemos estar diante de alguém de meia idade que viveu um luto de décadas, depois de perder um grande amor na vida, e que se sentiu indesejado desde sua adolescência, mas que, de repente, se descobre bonito e se vê cheio de vida e de desejo para paquerar, como se fosse um jovem adulto nos seus vinte e poucos anos!
Em suma, acompanhar a idade que temos e a dos outros que nos rodeiam será, (quase) sempre e invariavelmente, um desafio para todos nós. Que possamos acolher, ter paciência e ajudar, naquilo que pudermos, os outros e a nós mesmos, quando notarmos uma discrepância entre a idade cronológica e a emocional. E lembrar, além disso, que é sinal de saúde podermos carregar e brincar com a criança que fomos (somos, no fundo), não importa a idade que tenhamos!
Enquanto pudermos e quisermos brincar na vida – com os “brinquedos” de que gostarmos e que ela nos oferecer – é sinal de que ela ainda faz sentido para nós...
[i] As ideias todas deste texto vieram a partir dos ensinamentos de Winnicott e da sua teoria do amadurecimento emocional. Conferir, por exemplo:
DIAS, Elsa O. A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. (4ª. ed.) São Paulo: DWW Editorial, 2017.
WINNICOTT, Donald W. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.
WINNICOTT, Donald W. O brincar e a realidade. São Paulo: Ubu, 2019.
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