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  • Foto do escritorAntonio C. de Barros Jr.

O sofrimento que pais (quase) “perfeitos” podem gerar

Atualizado: 12 de ago. de 2023



Muito já se falou e se pesquisou sobre os impactos negativos que pais opressores, violentos, ausentes ou negligentes podem ter sobre filhos, especialmente (mas não só) se isso ocorre na infância[i]. Mas o que não se aborda muito é que, surpreendentemente, bons pais – presentes, carinhosos, amorosos, que permitem o desenvolvimento de autenticidade e de autonomia de seus rebentos – também podem produzir sofrimento e sintomas neles, sem que se deem conta disso, muitas vezes.


Quando se tornam adolescentes ou adultos, alguns desses filhos podem sofrer com o medo, consciente ou inconsciente, de decepcionar os pais. Sentem-se culpados, envergonhados e não raramente se desculpam o tempo todo dos deslizes que cometem em suas relações. Não raramente se mostram como pessoas inseguras e com dificuldade de entrar em conflito. Angustiam-se, às vezes bastante, ao entrar em contato com seus impulsos agressivos, narcísicos ou mesmo sádicos, por mais humanos que tais impulsos possam ser. Angustiam-se com o desamparo que a perda de amor do Outro (paterno, mas não só) pudesse ocorrer.


Winnicott[ii] abordava a importância dos impulsos agressivos da criança e de que, ao serem dirigidos ao objeto de amor (a mãe, o seio, etc.), este sobrevivesse ao “ataque”, sem que houvesse uma retaliação. Segundo a sua teoria do amadurecimento, isso seria primordial para o desenvolvimento da capacidade de se preocupar com o outro e de tentar reparar o mal nele causado. Seria primordial para que o indivíduo pudesse usar esses impulsos na vida em geral, a partir dali, sem que achasse que fossem perigosos demais ou que produzissem um mal irreparável ao outro.


Mas levanto a hipótese de que talvez apenas a não retaliação à agressividade da criança não seja suficiente para que o futuro adulto se permita valer-se dela em certas situações. Ao que parece, é preciso também que os pais usem tal agressividade em alguma medida na sua vida cotidiana (de preferência refletindo sobre as consequências de tal uso e colocando ações de reparação, sempre que cabíveis) - por exemplo, posicionando-se, não se furtando ao conflito em certas ocasiões, lutando por seus direitos, etc. É preciso que se mostrem falhos, aqui e acolá, que tragam algum traço de egocentrismo, por vezes.


Em outras palavras, é preciso que os pais “autorizem” a filha ou o filho a entrar em contato com esse seu lado humano e assim possam se identificar com uma versão mais “realista” dos seus progenitores, não com a versão absolutamente idealizada e infalível deles, porque esta acaba se revelando opressora também.

Afinal de contas, mesmo que não transpareçam, evidentemente que todo pai e toda mãe têm traços egocêntricos, agressivos etc. Se consciente ou inconscientemente escondem isso, seria benéfico a eles se questionarem de onde vem o impulso de o fazer e que tipo de fantasia estaria envolvida nesse processo.


Como projeto de sociedade a ideia de só haver sujeitos absolutamente narcisistas, agressivos e sádicos é impensável e fadada à autodestruição. Por outro lado, como indivíduos, privar-se por completo de se valer desses traços pode representar um preço psíquico bastante elevado – para si e para os filhos.


Referências: [i] Cf. por exemplo: BARROS, Amailson Sandro de; FREITAS, Maria de Fátima Quintal de. Violência doméstica contra crianças e adolescentes: consequências e estratégias de prevenção com pais agressores. Pensando fam., Porto Alegre , v. 19, n. 2, p. 102-114, dez. 2015. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2015000200009&lng=pt&nrm=iso. BASAGLIA, A. E.; SOUZA, M. A. de. Dificuldades de Maternagem em um Grupo de Mães de Crianças Agressivas. Revista Psicologia: Teoria e Prática, São Paulo, Brasil, v. 17, n. 1, p. 15–25, 2015. DOI: 10.15348/1980-6906/psicologia.v17n1p15-25. Disponível em: http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/ptp/article/view/6605. MAIA, Rosely Cardoso et al. Da proteção ao risco: configurações da violência intrafamiliar na juventude paraense. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 33, 2017. Disponível em https://doi.org/10.1590/0102.3772e33312 ZANETTI, Sandra Aparecida Serra; GOMES, Isabel Cristina. Relação entre funções parentais e o comportamento de crianças pré-escolares. Bol. psicol, São Paulo , v. 64, n. 140, p. 1-20, jun. 2014 . Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-59432014000100002&lng=pt&nrm=iso.

[ii]WINNICOTT, Donald W. O brincar e a realidade. São Paulo: Ubu, 2019. WINNICOTT, Donald W. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.

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