(Clique na imagem para ver o clipe da série)
A Netflix da Espanha lançou uma mini série sensível, que me tocou de alguma forma - “O tempo que te dou”. São dez episódios com duração de cerca de onze minutos que narram, ao mesmo tempo, o processo de enamoramento do casal Lina e Nico, as delícias do encantamento inicial do relacionamento e os desgastes que vão aparecendo ao longo do tempo, até a doída separação dos dois. A história é contada numa divisão de minutos entre presente e passado – começando com um minuto no presente e dez no passado. Progressivamente, a cada episódio, aumentam-se os minutos do presente e diminuem-se os do passado.
Essa forma de narrar lembrou-me o livro de William Bridges “Managing transitions”, adotado no mundo corporativo, que aborda a questão de como as pessoas processam mudanças emocionalmente – na forma de transições, muitas vezes lentas, ao longo do tempo. No meio do caminho há uma grande zona neutra, intermediária, que conecta e desconecta presente e passado.
A série me fez pensar nas separações, nas que acompanhei no consultório, nas de amigos ou familiares, nas minhas próprias. Raramente são processos indolores – exceto se as pessoas em questão não estiverem emocionalmente envolvidas ou se não tiverem capacidade de empatizar com o outro, o que, em geral, não é o caso.
Mesmo que haja um consenso do casal de que o melhor a fazer é desligar-se, há uma perda envolvida: do que foi construído, de um modo de estar junto, dos objetos e dos momentos partilhados, dos corpos que não mais estarão disponíveis.
Quando não há consenso sobre a separação, a parte que a quer pode oscilar entre sentimentos de culpa, de fracasso, de pena, de tristeza, ou mesmo de raiva, a depender do caso e, claro, das circunstâncias em que a coisa se deu.
Pode ser que quem pediu a separação queira que a outra pessoa fique bem, reconquiste sua alegria, se o motivo da separação foi porque o amor se desgastou, porque se apaixonou por outro(a) ou porque simplesmente quer viver um tempo sozinho(a), por exemplo. Aqui prevalece o desejo de que seu ato não destrua o(a) parceiro(a) abandonado(a).
Mas pode ser também que quem pediu a separação queira que a outra pessoa sofra, quando a razão do desenlace foi a descoberta de uma traição, por exemplo. Aqui aparecem sentimentos de inveja, de ciúmes, de baixa autoestima, de tristeza, de ódio, de nostalgia em relação ao que houve, muitas vezes. Na verdade, nestes casos, a sensação que fica, frequentemente, é a de que a pessoa foi abandonada, mesmo que ela tenha pedido a separação; fica um estado de desamparo, que o tempo costuma amenizar, à medida que a zona neutra do esquema de Bridges vai avançando e depois se reduzindo.
Este também é o estado comum naquelas pessoas que não queriam a separação e são obrigadas a engoli-la. O processo pode ser devastador. A pessoa é invadida por memórias do que viveu com a(o) parceira(o), por pensamentos obsessivos em relação ao que fez de errado, ao que poderia ter sido diferente. É obrigada a conviver com a deprivação (para usar um termo winnicottiano) do corpo e da presença do outro que se foi. Não raramente vem uma vontade incontrolável de ver como a(o) ex está, o que está fazendo – nas redes sociais, por exemplo – se está com alguém, como ele(a) é, o que supostamente tem que não se tem.
Em situações mais extremas, pode-se instalar um quadro depressivo, com baixa autoestima acentuada, com distúrbios de sono importantes (insônia ou vontade de dormir o tempo todo), vontade de chorar constante, falta de apetite para comida e para a vida. Pode ser tão desesperador que a presença de amigos ou passeios ao shopping, ao parque, ao cinema, viagens não consigam aliviar o sofrimento. Leva-se o peso da dor aonde quer que se vá.
Aos poucos, como na série espanhola, a vida vai retomando suas cores – em princípio com meros tons de cinza sem muita graça, depois com um pouco mais de colorido, com a vontade de se livrar daquilo que faz doer. Quando se consegue fazer uso da dor da perda para se movimentar e para se reinventar na vida, a separação poderá adquirir – no futuro – outro sentido, ainda que talvez sempre traga consigo um pouco de sabor amargo.
Na série, Lina viaja para a Índia para visitar um hospital de lá e viver algo novo. Na minha própria experiência, quando passei por uma separação assaz traumática, anos atrás, depois de um longo tempo em luto, mudei-me de cidade, fiz uma formação em fotografia, ingressei no doutorado. Redescobri o gosto de andar de bicicleta no parque ouvindo música, o prazer de viajar por montanhas ou praias isoladas, a emoção de amar alguém de novo.
A vida é cheia de surpresas – algumas vêm como uma bomba que cai na nossa cabeça, como em muitas separações – mas outras chegam com uma delicadeza e uma beleza que nos tocam o coração. Que cada um(a) possa conseguir vivê-las da melhor forma possível. Como diria o provérbio português: “Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”. A vida parece mesmo nos falar do tempo que nos dá...
Boas surpresas para 2022!
PS: Em tempo, o final da série traz uma surpresa, quando passado e presente parecem se reencontrar. Mas não vou contar para não estragar o prazer de assistir... =)
Referência:
BRIDGES, William. Managing transitions: making the most of change. 3rd ed. London: Nicholas Brealey Publishing, 2009.
Komentarze